A Justiça Restaurativa (Restorative Justice), ou Reintegrativa, termo utilizado pela primeira vez em artigo desenvolvido por Albert Eglash, em 1977, denominado “Beyond Restitucion: Creative Restitucion”, inserido na obra escrita por Joe Hudson e Burt Gallaway, “Restitucion in a Criminal Justice”, nasce num contexto internacional de crise de legitimidade do modelo de justiça penal até então utilizado, o modelo retributivo.[1]

Cumpre ressaltar que os procedimentos típicos da Justiça Restaurativa já vêm sendo utilizados há bastante tempo, sem que antes houvesse uma sistematização de seus princípios, métodos e valores. “Em Roma, a Lei das Doze Tábuas (449 a. C) impõe [sic] que os ladrões paguem o dobro do valor dos bens roubados, além de que se fizessem tentativas prévias de conciliação ao julgamento.” (PONTES, 2007, p. 41). Howard Zehr (2008, p. 95), considerado um dos teóricos basilares do assunto, afirma que as práticas de negociação, restituição e reconciliação já eram vivenciadas nos tempos da Idade Média, período em que o crime era visto como uma ruptura, passível de reparação, de relações interpessoais, e não como uma infração à lei..

No entanto, os estudos a respeito do tema começaram a ser intensificados a partir de 1970, na busca de soluções alternativas para os altos custos de manutenção do sistema prisional, bem como para a ineficiência do modelo tradicional. A Braithwaite é atribuído o início da sistematização dos postulados restaurativos.[2] Desde 1989, a Nova Zelândia adota a Justiça Restaurativa como principal método de resolução de conflitos penais que envolvam crianças e adolescentes.[3]

A Justiça Restaurativa sofreu grande influência de movimentos que com ela não se confundem: o abolicionismo e a vitimologia. Não obstante um significativo ponto de convergência entre eles, qual seja, a defesa por uma maior participação da vítima e da comunidade no processo penal contemporâneo, existem cruciais diferenças que permitem distingui-los claramente, sendo uma delas explicitada por Pallamolla (2009, p. 35):

"Enquanto a justiça restaurativa admite a utilização do cárcere para um reduzido número de delitos e segue conferindo importância à conservação das garantias processuais e penais, o abolicionismo propõe não só uma alternativa à pena de prisão, mas uma total substituição do atual processo penal e, em sua concepção mais extrema, uma alternativa ao sistema penal."

Nesse sentido, a justiça restaurativa mostra-se mais dialogante com o modelo vigente do que as propostas abolicionistas [...]

A vitimologia, movimento com destaque nos Estados Unidos, nos anos de 1980, procura devolver à vítima do crime seu devido papel no processo penal, com a defesa de seus legítimos interesses. Acredita o movimento que o processo penal contemporâneo se esqueceu da vítima ao focar apenas na figura do criminoso e na proteção de bens jurídicos.

Posto isso, nota-se que a vitimologia contribuiu apenas parcialmente para a formação dos postulados da Justiça Restaurativa, que engloba interesses de outros participantes do processo, não exclusivamente os da vítima. “Ou seja, não é correto afirmar que a justiça restaurativa seja um movimento restrito às vítimas, visto que se preocupa com estas, mas também com o ofensor e a comunidade envolvida no conflito.” (PALLAMOLLA, 2009, p. 53).

Assim, não menos certo é afirmar que, a despeito de possuírem objetivos distintos, o que permite sua clara diferenciação, a Justiça Restaurativa:

[...] é fruto de uma conjuntura complexa, pois recebeu influência de diversos movimentos: o que contestou as instituições repressivas e mostrou seus efeitos deletérios (como o abolicionismo); o que (re)descobriu a vítima (vitimologia); e o que exaltou a comunidade, destacando sua virtudes. (JACCOUD, 2005 apud PALLAMOLLA, 2009, p. 36).


VASCONCELOS, Rayan. Justiça restaurativa: um novo paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5164, 21 ago. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59792>. Acesso em: 7 fev. 2018.